O Nascimento de Buda

sexta-feira, 9 de março de 2007

O Nascimento do Buda (apud Borges, JL)

O Bodhisatva (o que chegará a ser Buda, título que significa "O Desperto") logrou, por méritos acumulados em infinitas encarnações anteriores, nascer no quarto céu dos deuses. Olha a terra do alto e examina atentamente o século, o continente, o reino e a casta em que renascerá para ser Buda e salvar os homens. Escolhe sua mãe, a rainha Maya (nome que significa a força mágica que cria o universo ilusório), mulher de Sudohodana, que é rei na cidade de Kapilavastu, ao sul de Nepal. Maya sonha que entra em seu flanco um elefante de seis presas, tendo o corpo branco como a neve e a cabeça cor de rubi. Ao despertar, a rainha não sente qualquer dor ou sensação de peso, mas tão somente agilidade e bem-estar. Os deuses criam um palácio em seu corpo; neste recinto, o Bodhisatva espera rezando a sua hora. No segundo mês da primavera a rainha atravessa um jardim, e uma árvore, cujas folhas resplandecem como a plumagem de um pavão real, lhe estende um ramo que ela aceita com naturalidade. Neste momento o Bodhisatva se levanta e nasce pelo flanco direito da rainha sem lhe causar mal. O recém-nascido dá sete passos, olha à direita e à esquerda, acima e abaixo, atrás e adiante, constata que no universo não há outro igual a ele e anuncia com voz de leão: Sou o primeiro e o melhor, este é o meu último nascimento e venho dar fim à dor, à doença e à morte. Duas nuvens vertem água fria e quente para banhar mãe e filho; os cegos enxergam, os surdos ouvem, os aleijados caminham, os instrumentos musicais tocam sozinhos; os deuses do quarto céu se regozijam, cantam e dançam; os condenados no inferno esquecem sua dor. Naquele mesmo instante nasce sua futura mulher, Yasodhara, como nascem também seu cocheiro, seu cavalo, seu elefante e a árvore a cuja sombra chegará à libertação. O menino recebe o nome de Sidharta e também é conhecido pelo nome de Gautama, que foi adotado por sua família, os Sakyas.

A mãe morre aos sete dias de haver nascido o Bodhisatva e sobe aos céus dos trinta e três devas. Um vidente, Asita, ouve o júbilo destas divindades, desce da montanha, toma o menino em seus braços e diz: É o incomparável. Comprova nele as marcas do eleito: uma espécie de alta coroa orgânica na metade do crânio, pestanas de boi, quarenta dentes muito unidos e brancos, queixada de leão, altura igual à extensão dos braços abertos, cor dourada, membranas interdigitais e centenas de formas desenhadas nas plantas dos pés, entre as quais figuram o tigre, o elefante, a flor de lótus, a montanha piramidal Meru, a roda e a suástica. Em seguida Asita chora porque se sabe demasiado velho para receber a doutrina que o Buda predicará no futuro.